Insuficiente, atrasado e mal formulado

A notícia a respeito da abertura do edital do Concurso Público do Magistério Municipal, ainda em janeiro, provavelmente animou muita gente: deveria ser um sinal de melhora nas condições de trabalho e na qualidade da educação na rede pública de Santa Maria. Deveria, pois imagina-se que 112 novos professores fazem diferença em uma rede com cerca de 1,4 mil docentes. Mas não é. De acordo com dados do Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores Municipais de Santa Maria – IPASSP-SM, de 2013 – quando expirou a validade do último concurso para o magistério, aberto em 2008 – pra cá 167 professores da rede pública municipal se aposentaram. Se fizermos as contas, descobriremos que o saldo é negativo: nos últimos anos saíram 55 docentes a mais do que serão contratados de acordo com o número de vagas do concurso.

Além de insuficiente, atrasado: em uma reunião ocorrida em agosto de 2014, de acordo com a edição 185 do Primeira Classe, o prefeito Cezar Schirmer garantiu que o concurso abriria “nos próximos dias”. Passaram-se quase seis meses.

 

Um aumento real no número de professores contratados pelo município seguirá, por enquanto, sendo apenas uma luta da categoria. Para Mariane Denardin, da coordenação do Sinprosm, “um acréscimo verdadeiro traria indiscutíveis melhoras nas condições de trabalho dos sobrecarregados educadores, possibilitando, por exemplo, reuniões pedagógicas semanais e a implementação de 1/3 da carga horária dos professores dedicada ao planejamento das aulas, assim como manda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação”. No concurso de 2008 o número de vagas abertas chegou a 328.

E este não é o único problema. A começar pelo atraso: no dia primeiro de agosto de 2014, em reunião com o Sinprosm, o prefeito Cezar Schirmer afirmou que o edital deveria ser aberto “nos próximos dias”. A informação está na edição 185 do Primeira Classe. A mesma reportagem afirma que a Câmara de Vereadores havia aprovado a contratação de 35 professores em regime emergencial para suprir a demanda das escolas. Até o ano passado, porém, segundo os mesmos dados do IPASSP, 77 docentes haviam deixado a rede por aposentadoria ou exoneração. Cinco meses se passaram até o lançamento do edital. Diversos veículos da mídia local chegaram a noticiar que a expectativa da secretária municipal de Educação, Silvana Guerino, pretendia realizar as provas ainda em 2014 para contratar os aprovados para o início do ano letivo de 2015. As notícias citavam, inclusive, 114 vagas, ou seja, duas a mais do que realmente foram abertas; houve até um site especializado em concursos que chegou a escrever que seriam 140.

Por mais que o concurso tivesse sido realizado no segundo semestre do ano passado, a prefeitura teria completado quase dois anos trabalhando com contratações realizadas apenas por Regime Suplementar. O último concurso, de 2008, valeu apenas até fevereiro de 2013. A suplementação, entretanto, segundo o Plano de Carreira, deve ser utilizada apenas para substituir as saídas de professores em licenças de saúde, maternidade e Regime Especial de Trabalho – RET nos casos de diretores.

Não só para a categoria os problemas do concurso – como o atraso da abertura e um número de vagas que não basta nem para substituir os aposentados – são desestimulantes. Quem ainda nem ingressou efetivamente na rede de professores de Santa Maria já percebe o descaso com a educação municipal. Para Alessandra Giovanella, que é formada em Artes Visuais, já trabalhou como professora temporária e pretende prestar concurso, o edital é decepcionante: “o primeiro fator que me desestimula é, obviamente, o piso salarial [para 20h semanais a Prefeitura oferece um salário inicial de R$ 1.163,18, mais auxílio alimentação, auxílio transporte e gratificações]. Por exemplo: para 20 horas você fica 16 em sala de aula, tendo apenas 4 horas para planejamento. Neste tempo de planejamento ainda é preciso encaixar atividades de formação e reuniões pedagógicas. Isso é um desestímulo para quem trabalha com Educação, pois a formação contínua é extremamente necessária, o tempo de planejamento igualmente importante. Além disso, os educadores precisam de tempo para desenvolver projetos e estar atualizados em sua área de formação. Para quem possui Mestrado ou Doutorado é até desrespeitoso”, argumenta. Alessandra ainda considera que o número de vagas para professor de Artes não dará conta da demanda.

Em resposta a todas as falhas anteriormente citadas, o Sinprosm encaminhou à Secretaria de Muncípio de Educação um ofício pedindo retificação quanto a quatro pontos do edital: a inclusão de Licenciatura em Artes Cênicas para o cargo de Professore de Ensindo Fundamental Anos Finais da disciplina Artes, a inclusão da titulação hábil para a posse os Bacharelados em Canto, Teclado, Cordas e Sopros, Regência Coral, Composição e Música Popular para a seleção de Professor de Ensino Fundamental Anos Finais Artes – Habilitação em Música, a admissão de Licenciatura Curta para inscrição no concurso, de acordo com o artigo 48 da LDB, e a indicação de bibliografia específica para todas as áreas.

Aposentaram-se 167 (azul), mas há somente 112 vagas para o concurso. Saldo negativo de 55 professores:  a validade do último concurso, cujo edital foi lançado ainda em 2008, expirou em fevereiro de 2013. De lá pra cá, segundo dados do IPASSP, 167 professores  deixaram seus postos por aposentadoria. As 112 vagas - quando forem  preenchidas - ainda representam uma perda de 55 professores na rede.
Aposentaram-se 167 (azul), mas há somente 112 vagas para o concurso. O saldo negativo é de 55 professores: a validade do último concurso, cujo edital foi lançado ainda em 2008, expirou em fevereiro de 2013. De lá pra cá, segundo dados do IPASSP, 167 professores deixaram seus postos por aposentadoria. As 112 vagas – quando forem preenchidas – ainda representam uma perda de 55 professores na rede.

Sem bibliografia: conteúdo programático deficitário, ultrapassado ou inexistente

Outro ponto comumente abordado pelos concorrentes às vagas do magistério municipal é a falta de definição de bibliografia para estudar em diversas disciplinas. E mesmo quando há bibliografia, ela não está de acordo com os currículos das universidades onde quem realiza o concurso estudou. Nos conteúdos programáticos gerais – Língua Portuguesa, Conhecimentos Básicos de Informática, Conhecimentos Educacionais e Legislação Municipal – até há uma melhor definição sobre o que estudar, sobretudo na parte de legislação. Nos conhecimentos específicos, entretanto, somente as vagas de Professor – Educação Especial, Educação Infantil e Ensino Fundamental – Anos Iniciais há uma bibliografia delimitada. Para quem deseja prestar concurso para todos os outros cargos – ou seja, para Desenho Técnico, Eletricidade e para todas as modalidades de Ensino Fundamental Anos Finais, como Arte – Habilitação em Música, Ciências, Geografia, História, Inglês, Matemática, Artes, Educação Física e Português – não há referências bibliográficas.

Não chega a ser tão grave para conteúdos de Matemática ou Ciências, por exemplo, que são campos de conhecimento menos propensos a contradições. Para as provas de história e geografia, por exemplo, apenas citar que “Feudalismo” é uma das referências não é suficiente para um concorrente. Afinal, na historiografia existem diversos vieses sobre o que foi o feudalismo. Em Geografia, por exemplo, o conteúdo “O Processo de Globalização e suas Implicações” pode ser bem amplo. Um professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria, em um debate no Facebook, definiu que o edital “parece que quer saber do candidato ‘a obra de Deus na Terra’.” Outro professor da UFSM citou o anacronismo das referências bibliográficas para a prova de História: “a forma como o conteúdo está sendo apresentado é mais antiga do que quando meu pai fez o ginásio, em 1950”. Isto significa que as múltiplas interpretações de cada área do conhecimento permitirão recursos para muitas questões da prova. Alessandra Giovanella, uma das concorrentes para as vagas de Artes que citamos anteriormente, afirma que “ver que o concurso era para área de Artes, exigia Formação em Artes Visuais e no Conteúdo Programático caía Artes Visuais, Teatro e Música, inserindo até ‘coreografias’, me fez perceber o nível de conhecimento – ou falta de, neste caso – de quem está responsável pela elaboração da prova. Saber que você vai chegar na escola e vai encontrar uma coordenação pedindo que você dê conta de áreas que não fazem parte da sua formação, é outro fator desestimulante. Felizmente houveram várias reclamações e o edital foi retificado, mas não abolido o problema da área como um todo.”

O problema do qual fala Alessandra é, mais uma vez, o anacronismo da abordagem da rede municipal com uma matéria específica. No caso, a Arte, que no concurso coloca no mesmo conjunto áreas como Artes Cênicas e Artes Visuais, por exemplo, mas não pede Licenciatura em Artes Cênicas. Somente a Música foi colocada à parte. Alessandra explica que a antiga Educação Artística era uma Licenciatura Curta que misturava todas áreas (Música, teatro e Artes Visuais), a exemplo das outras formações. O edital foi retificado, mas continua sem pedir especialização em Artes Cênicas.

 

Leia aqui o ofício enviado pelo Sinprosm à Smed cobrando mudanças no edital!

 

* Reportagem publicada na edição 189 do jornal Primeira Classe, em fevereiro de 2015.

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