Não seremos como nossos pais, Elis! – por Lucas Visentini
Infelizmente, a inesquecível cantora Elis Regina não está mais entre nós para nos agraciar com sua singular voz, a qual foi eternizada em belíssimas canções que marcaram época. Músicas que, por vezes, revelam as aproximações e os distanciamentos existentes entre pais e filhos, entre as diferentes gerações que constituem a nossa sociedade.
Na canção “Como Nossos Pais”, de Belchior, Elis canta de modo doce e rebelde as derrotas e contradições de sua geração, a qual vivenciou o terror de um regime ditatorial que impunha à força o silêncio e a resignação. Pois eu arriscaria dizer que, se Elis Regina estivesse hoje entre nós, a letra da referida música seria diferente, pois nós, jovens, e nós, professores, não somos nem seremos como nossos pais.
Os jovens querem falar não somente sobre as coisas que aprenderam nos discos, mas também sobre as reflexões e os conhecimentos construídos na escola. Porém, para espanto daqueles que prezam pela dialogicidade, democracia e livre expressão de pensamento, está tramitando a proposta de lei denominada “Escola sem Partido” a qual foi justificada pelos legisladores que a elaboraram partindo do mentiroso pressuposto de que os professores impõem aos estudantes as suas opiniões político-partidárias, ideológicas, morais e religiosas. Programa que objetiva o emburrecimento do senso crítico coletivo, ao apresentar posicionamentos reacionários e conservadores, ferindo a liberdade de cátedra dos professores e a liberdade de escolha dos estudantes.
Ora, nem mesmo se quisessem obrigar os estudantes a compartilhar de seu pensamento político-partidário, ideológico, moral ou religioso os professores conseguiriam. Elis, se entre nós estivesse, veria que o sinal não se fechará nem para os jovens nem para os professores. Aliás, tampouco os pais ou responsáveis seriam capazes de tal feito (vejamos o fracasso das tentativas de doutrinação da dita “família tradicional”). Ingênuo – ou estúpido – quem pensa o contrário. Somente quem ama o passado e que não vê que o novo sempre vem é quem deseja calar o seu semelhante. Talvez por sentirem vir vindo no vento cheiro de nova estação…
Nos últimos anos percebemos, por meio das manifestações que clamaram por mudanças em nosso país, que os estudantes brasileiros não aceitam passivamente nada daquilo que lhes é imposto, nada que é dito como verdade absoluta, seja proferido por quem for, não aceitam e não querem a perpetuação das desigualdades sociais, da corrupção, da falta de ética na política, da supressão de direitos sociais fundamentais que impedem de tornar o Brasil um país melhor para todos. Cabelos ao vento, gente jovem reunida…
Elis, se tua dor era perceber que apesar de vós tereis feito tudo o que fizeram e continuaram a viver como os vossos pais, minha alegria é ter a certeza de que tanto a juventude quanto os professores nunca mais serão calados e jamais serão como os carrascos que querem nos calar. Entristecer-me-ei apenas se o excerto do filme A Missão se concretizar: “se a força estiver certa, então o amor não tem lugar neste mundo”. Não deixemos, pois, que as forças opressoras docemente travestidas por leis esdrúxulas nos amordacem e nos calem, para que não sejamos como nossos pais ou professores, mas sim, que sejamos como quisermos ser.
Lucas Visentini é Professor, escritor e Mestre em Educação
Foto: Performance da Profª Tatiana Wonsik no Ato contra o Programa Escola sem Partido, em setembro