Nota de repúdio à fala do médico Eduardo Rolim sobre estupro
“ESTUPRO É TORTURA” – Ingrid Fuchs
O Brasil é o quinto país do mundo que mais mata mulheres.
Um estupro ocorre em nosso país a cada 2 minutos.
São 822 mil casos de estupro a cada ano!
Nós, mulheres de vários segmentos culturais e sociais integrantes das entidades que assinam esta carta, juntamente com nossos apoiadores, viemos à público manifestar completo repúdio ao ocorrido no Programa Sala de Debate do Grupo Diário de Santa Maria, no dia 27 de abril de 2023.
Neste, o comentarista e médico aposentado Eduardo Rolim, fazendo uso de seu título, afirmou que o crime de estupro nem sempre se configura, pois, a vítima “teria condições físico-musculares de o impedir”. Rolim fez, inclusive, uma referência infeliz ao sistema muscular:
“A força de um homem não consegue abrir as pernas de uma mulher que esteja contraída”. Entre outras de suas alegações estão: “Uma coisa que gostaria de comentar em relação ao estupro, é que essas personalidades que estão em evidências, elas são assediadas pelas mulheres que vem e depois os acusam de estupro, quando na verdade é o contrário, elas é que tentaram ou estupraram”.
O caso comentado era de um estupro coletivo perpetrado por 4 jogadores do futebol brasileiro contra uma menina suíça que então contava com 13 anos. São esses 4 homens que, na possibilidade aventada por Rolim, que foram estuprados por uma criança de 13 anos!
Vale destacar que na bancada estava a advogada Dra. Ingrid Fuchs, única mulher participante, a qual ficou claramente constrangida pela situação, uma vez que o ambiente foi permissivo com a fala do médico, o âncora não interrompeu há tempo a fala violenta do médico. Anteriormente a advogada havia trazido à tona o fato de que além de crime, o estupro é também reconhecido como forma de tortura e arma de guerra, o seu direito à fala não foi garantido por completo, sendo a mesma interrompida pelo mediador.
Durante o programa, os debatedores advertiram da normalização da violência contra a mulher, trouxeram considerações importantes e relevantes sobre a cultura do estupro, uma vez que diversas considerações feitas pelo médico eram dissociadas da realidade e daquilo que moralmente se espera de qualquer ser humano, e reafirmaram: a vítima não pode ser jamais culpabilizada e imputada à ela responsabilidade em nenhum aspecto.
A grave situação descrita acima merece o nosso repúdio e nossa veemente e intransigente defesa dos direitos e da dignidade de quaisquer mulheres, crianças, pessoas do espectro LGBTQIAPN+ e mesmo homens que tenham sido vítimas de violência sexual.
No dia 28 de abril, a crescente mobilização de mulheres e entidades, de forma individual e coletiva, levou o Grupo Diário a emitir notas sucessivas. Primeiro, defendendo a “liberdade de expressão” e emitindo posicionamento contra a fala de seu comentarista. E, por fim, notificando ao público que o sr. Eduardo Rolim foi afastado de suas atividades como comentarista. Contudo, a emissora agradeceu pelos anos de atuação junto ao canal de comunicação, sem dizer nenhuma palavra de desculpas a sua convidada Ingrid Fuchs. Finalmente, em uma última nota, veio o pedido de desculpas a ela e a outras mulheres que “se sentiram ofendidas”.
Porém, não se trata de ofensa ou de excesso de sensibilidade, entrando na terceira década do século XXI, já não é admissível que meios de comunicação, quaisquer deles, aceitem e tolerem veicular falas que violentam e incitam a violência por sua negação ou relativização. Muito embora se possa alegar que espaços, como o programa Sala de Debate, são popularmente interessantes porque dão lugar ao contraditório, é preciso que a imprensa mantenha seu compromisso com a informação correta, não incite a violência e nada que fira a dignidade humana. O Grupo Diário é uma empresa de concessão pública, que presta serviços à comunidade, devendo, portanto, garantir informações de qualidade e o cumprimento da lei.
Nesse sentido, é importante que a empresa reveja e adeque suas regras de participação em seus programas, pois essas práticas já se tornaram reincidentes, inclusive de cunho racista, o que deve ser totalmente rechaçado. Essas falas machistas, desrespeitosas e excludentes proferidas por seus comentaristas não devem ser toleradas. E, quando ditas, sejam prontamente apuradas as condutas na esfera cível e criminal, pois crimes não poderão ser considerados liberdade de expressão. Não é censura combater posicionamentos que banalizam, minimizam, relativizam, e reproduzem meios, modos e ações de violência sexual, objetificação e diminuição do valor humano, em especial, das mulheres e crianças, suas principais vítimas. Este é um perverso traço das estruturas sociais machistas que nos rodeiam.
As entidades aqui signatárias exigem total compromisso com a defesa dos direitos das mulheres – sua vida, dignidade e voz – seja assumido e priorizado pelos órgãos públicos e privados. Para isso, discursos repletos de misoginia, estímulo à violência e opressão, não podem ser tolerados ou reproduzidos nos meios de comunicação. Estes devem ser combatidos à luz da ética e dos direitos humanos. E, nesse sentido, as autoridades Públicas competentes devem investigar as falas de suposta apologia ao estupro proferidas no programa. Bem como, o posicionamento técnico do Conselho Regional de Medicina, CREMERS, sobre o que foi proferido pelo médico, é urgente e necessário.
Exigimos pedido público e específico de desculpas a todas as mulheres, em especial à Dra. Ingrid, por parte do Diário de Santa Maria e do jornalista Claudemir Pereira, que estava fazendo a mediação do debate e deixou o médico falar e expressar suas colocações infundadas em relação ao estupro. Por fim, também exigimos a retratação pública do Médico Eduardo Rolim, pela violência de gênero cometida e conivência com “possibilidades de estupros”. O ocorrido foi uma violência e por isso essas retratações são medidas que se impõem.
Lembramos hoje, 1º de maio, Dia do Trabalho, que as mulheres possam ter mais respeito, dignidade e amparo em seus ambientes de trabalho e fala.
ASSINAM ESSA NOTA:
- ACOLHELAS – Atendimento a mulheres vítimas de violência;
- ANEN Articulação Nacional de Enfermagem Negra;
- Associação de Arte e Cultura Negra Ara Dudu;
- Associação Beneficente e Cultural Africana Ilê Axé Ijobá de Oxum e Bará;
- Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia – Núcleo de Gênero, Diversidade e Igualdade Racial da ABENFISIO;
- Associação Rede Unida;
- Associação Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos Direitos da Covid 19;
- AGTS Associação Gaúcha dos Trabalhadores da Saúde RS;
- Atelier Grupo da Estação;
- Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR) de Santa Maria – Segmento Mulheres e Segmento de Grupos de Cultura e Tradições Afro-brasileiras;
- Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – Sindicato dos Trabalhadores em Educação – CPERS Santa Maria;
- Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-Cebes RS;
- Comissão da Mulher Advogada da OAB/SM;
- Coletivo Justiça para Isadora;
- Conselho Municipal de Saúde de Santa Maria;
- Coletivo de Psicanálise de Santa Maria – CLTVPSM;
- Comitê de Igualdade e Gênero da UFSM;
- Comitê de Bioética Feminista do Grupo Hospitalar Conceição (GHC);
- Coletivo Raça, Gênero e Diversidade da ASERGHC;
- Diretório Central de Estudantes da UFSM – DCE UFSM;
- Equipe AMBRA-/ Grupo Nascer Sorrindo Santa Maria;
- Fórum de Enfrentamento à Violência contra Mulheres de Santa Maria/Campanha Santa Maria 50-50;
- Fórum dos Direitos Humanos, Diversidade e Equidade de Raça e Gênero da Rede Unida;
- FEGAMEC – Federação Gaúcha de Associações de Moradores e Entidades Comunitárias;
- GEEUM@ – Grupo de Estudos e Extensão Universidade das Mulheres – UFSM;
- Grupo Mulheres do Brasil de Santa Maria – RS;
- GIDH / UFSM – Grupo de Pesquisa e Extensão em Gênero, Interseccionalidade e Direitos Humanos;
- Grupo de Estudos dos Movimentos Feministas. El@s – UFSM;
- Laboratório de Espacialidades Urbanas – UFSM;
- Movimento Negro Unificado de Santa Maria-MNU/RS/SM;
- Movimento Policiais Antirracistas;
- Mulheres Dona de Si;
- Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul – Subseção Santa Maria;
- Pós-graduação em Estudos de Gênero | UFSM;
- Rede de Mulheres Negras Obirin;
- SEDUFSM – Sessão Sindical de Docentes da UFSM;
- Seção Sindical dos Técnicos de Nível Superior da UFSM (ATENS);
- SINPROSM – Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria;
- Sindicato dos Bancários de Santa Maria e região;
- Sindicato dos Municipários de Santa Maria.